sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Castelo de Adriana

E então pousavam elas as andorinhas pela beira do Rio Lugote, comendo uma bicadinha de alguma coisa aqui e ali, enquanto as nuvens encobriam o céu ocasionalmente hora sim hora não, numa tarde que se fazia noite a cada minuto que passava.

Adriana não gostava muito do castelo em que morava. Era bem servida, tinha água limpa sempre à disposição, comia do bom e do melhor, mas não gostava do castelo. Sua família mudou-se para ele dez anos atrás, mas o que são dez anos atrás? O tempo corre mais do que um serviçal preparando mais um pescoço pra guilhotina, e ela não gostava do castelo. Dez anos vivendo nele, mas sem gostar dele.

Ela se aborrecia por causa das paredes. Elas tinham vida própria. Ela ouvia as paredes. Elas estavam vivas. _ Elas matam. - pensava. _ Elas podem matar! - acrescentava.

Acordando da noite anterior, lá estava Adriana quieta em sua cama, olhando ao redor e não gostando nada daquilo. Já reclamara com o pai. Ele não deu atenção a ela. E poderia entregá-la à Igreja como bruxa se ela continuasse com aquelas estórias de castelo mal assombrado. Ela já estava no limite, após dez anos de desconforto. Eram apenas ela, o pai e a mãe.

A mãe de Adriana até dava alguma atenção a ela, mas sempre acabava dizendo: _ Vai passar, minha filha, deixa que vai passar...

Numa quarta, como se ser quarta mudasse alguma coisa ou desse alguma característica especial ao dia, Adriana foi assassinada. Pelas paredes. Sim, pelas paredes.

Ela estava sentada em sua cama, quase deitada quando viu escorrer do teto um terrível
e pasmoso líquido vermelho cor de sangue. Ficou como que hipnotizada por ele, e ele escorria, escorria... Quando ela já estava completamente em transe, a parede à sua direita se deslocou, se desprendeu do seu lugar e rapidamente se pôs à frente dela. Bocejando um: _ Aqui era mata, agora você morre, demônio escuro está comigo!! - mas Adriana ainda não estava apta a se desligar do transe. Veio a parede da esquerda, e em um tom meramente violeta se pôs a frente de Adriana, dizendo: _ Aqui putinha não nasceu, aqui putinha morrerá! - e em um forte pulo entrou dentro de Adriana pela boca, descendo pela garganta dela até chegar ao estômago e estourá-lo. Mas a dor não foi suficiente pra tirar Adriana do transe. Por isso ela não gritava, por isso ninguém a ouviria. Será que, de qualquer modo, alguém ouviria?

O teto desabou, impessoal, sem palavras, sem gracinhas. O castelo havia desmoronado. A parede detrás de Adriana se tornou tão branca, tão gélida, que foi pouco a pouco abraçando Adriana, e dando a ela a oportunidade de, pouco a pouco, acordar do transe, e na proporção em que ela acordava, a parede ia sugando sua alma, seu corpo, seu querer, seu viver, seu ser. Gélida com uma mão morta. Adriana foi desaparecendo e, se alguém estivesse ali para vê-la, não saberia dizer se Adriana estava desconfortável com aquilo ou se estava apreciando! Até que num estalo a parede solveu Adriana por completo, com uma corrente elétrica que inebriou sua mente, mente que ainda restava, e que não mais restou.

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escrito ao som do Black Album do Metallica
gelo

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

ensabugo

_ Jogou os ensabugos tudo fora?
_ Não, deixei pra ensabugar ainda.
_ Tem muita menina que gosta de ensabugar, não é?
_ Se tem, é ensabugo pra todo lado.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

carne pra quem quiser...

1

_ Tô colocando os patinho pra piar...
_ Mas, patinho não pia, quaquareja, não é, Piana?
_ Ah, já tô colocando os patinho pra quaquarejar...
_ Vai matar eles de fome, isso sim. Essa hora já da manhã e eles não comeram nada ainda. Ficam aí nesse coro seu, quaquarejando...
_ Deixa comigo que meus patinhos quem quaquareja sou eu.
_ Quaquareja até eles morrerem de fome, né, Piana?
_ Quaquarejar com fá ou quaquarejar com ré? _ perguntava Piana aos patos.
_ No que eles respondiam: _ Quá, quá! Quá quá quá quá!! _ e ela entendia.
_ Mas então, Piana, falando com pato agora?
_ Eu entendo o quaquarejar dos meus patinhos, me dá licença ou tá difícil?
_ Ah, quer saber, licença toda, eu tô fora daqui...
_ Tchau, mas deixa meus patinhos comigo, não leve um sequer, tchau...


2

_ Panela cheia é que faz comida boa...
_ Mas, meu Deus! Quantos dos meus patinhos você colocou nessa panela?
_ E, Piana, sai pra lá, porque isso daqui tem autorização do papai.
_ Mas, meus patinhos!! Quantos? Um, dois, três, quatro, cinco! Ah, sua desossada! Você vai me pagar caro por isso.
_ Pagar porquê? Não estou aproveitando a patada toda antes que eles caíssem mortos?
_ Meus patinhos! Meu quaquarejar!!
_ Vai ficar uma delícia. Fica em paz aí, que de pato eu entendo...
_ Mas, meu Deus! Meu Deus! Me ajuda!! Me ajuda porque eu não sei o que posso fazer agora!!!
_ Patinho um, patinho dois, patinho três! Todos bem quentinhos na minha panela! Vai ser super legal comer todos eles de uma vez!
_ Ah, meus patinhos, meu quaquarejar.
_ Vai lá fora porque se você quer pato vivo lá ainda tem.


3

_ Como professor de Ciências que sou, devo explicar a todos vocês meu alunos o porquê de não se comer carne de pato ou outro animal que for, ao contrário do que acabou acontecendo na estória que acabei de passar pra vocês. É só se lembrar de uma coisa: animal é porra germinada em um óvulo. No caso do conto, a mulher encheu a panela de porra de pato, nada mais do que é a carne do pato. Boi, frango, tudo a mesma coisa. Imagine vocês almoçando farto um prato e tanto de porra de boi. É a mesmo coisa... É uma nojeira, desculpe se não achei expressão melhor.

_ Professor, mas eu gosto de porra de pato mesmo assim...

_ Seja feliz. Pode ser até compreensível as mulheres comerem carne, se bem que tenham que ser um tanto quanto depravadas para tal feito. Agora pra homem, não é coisa desse mundo não.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

minha lista de melhores do metallica

black album
...and justice for all
reload
ride the lightning
st. anger
load
master of puppets
kill ‘em all
death magnetic

sábado, 11 de fevereiro de 2012

elimino o excesso

eu sinto um ar escabroso
um quê de aritmética
não, bobagem...
é só uma goteira no fundo da minha rua
alimentados ratos e sabedorias
gotejando ao livre jogo da guerra

a lua agora é orgasmo e você minha guerreira
elimino o excesso
vivo você bem lá
iluminada pelo sol que sou
ignorada pela minha ignorância
que não será esquecida
será lembrada
e estuporada em tormento, em prazer
a um grau maior que cem
bem, não sei se sou são

apenas sigo, irmãos
pegaram vocês pelas cabeças e vos degolaram, decepando-as...
quem sabe o gelo é nosso em algum outro dia?
triturado, manso e farto
vivendo meu infarto
a cada segundo

bela moça vem comigo
mastigar o osso da miséria
seguido de um manusear de esperança
que nos valerá um dia
sempre mais e mais
deixei pra lá os cachaçais
agora eu quero é mais
de você
de meu bem querer
de beber....
você...

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escrito ao som do álbum Vs. do Pearl Jam

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

dá pena

e cair o pintinho da gaiola
e o que ele estava fazendo lá na gaiola
e agora que as penas dele ainda são amarelas
saberá ele voar como a ave que é ou ficará se imaginando um filhote de faisão
brincar de comer umas minhocas certamente o apetecerá
levar um corte na garganta pra ir pra panela corriqueiramente poderá acontecer...

as crianças exclamarão: _ Mas, que pena que dá!
quando ele estiver sendo pelado em água quente antes de ir pra panela... é pena pra todo lado...
o pai não deixa falar: _ Coitado, coitadinho!
então a mãe e as crianças disfarçam, dizendo: _ Mas, ai que pena que dá, que pena que dá!
daí que vem a expressão: _ Que pena!

_ Vale a pena, pai!?

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escrito ao som do álbum Vitalogy do Pearl Jam

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

era uma vez uma hidrelétrica...

dias além
dias agora também, porém
ainda em preparo
sempre em preparo
pra algo melhor...

viver o bom
ser agradável
cada momento
um dia sangrento

até o dia da enchente...
alguns dias são especiais de fato
todos o são
mas alguns parecem fibrilar o olho da coruja com mais violência

aquela barreira da hidrelétrica
não era planejado que ela se romperia
se rompeu em sangue...
o sangue esburrou, o sangue derrubou, o sangue se avolumou
de uma tal maneira
de uma tal maneira
de uma tal maneira
ali!

não

poucos testemunharam
a barreira de sangue elétrico se romper...
chuva de sangue
estão agora no aguardo de ver...
pois algumas cidades estão debaixo de... sangue...
e agora só falta chover...
pra surgir
aquele brilho especial
de gota de chuva...
sangue
por todo lugar...